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Ria Lemaire, investigadora da oralidade e a escrita

"O patrimonio inmaterial galego-portugués é base dunha forte identidade afectiva mantida malia as presións"

Experta en literatura medieval e literatura brasileira, Ria Lemaire está esta fin de semana no congreso Pontes de Futuro.

Ponte nas Ondas - 11:25 24/04/2010

Profesora da Universidade de Poitiers, Ria Lemaire, que estará este domingo no congreso Pontes de futuro, Pontes de cultura, dirixe o Centre de Recherches Latino-Américaines (CRLA). É especialista na literatura medieval e na literatura brasileira. Investigadora da oralidade e a escrita, en estudos comparados en tradicións orais na súa relación coa cultura da escrita e da Idade-Media. Responsable do prestixioso Acervo Raymond Cantel de literatura de cordel brasileira. Comeza a preparar, con Yara Frateschi Vieira ( UNICAMP e Santiago de Compostela) a edición de todas as publicacións en lingua alemá de Carolina Michaelis de Vasconcelos, a grande lusista-¨feminista¨ do período en torno do ano 1900.


A literatura medieval galego-portuguesa é o primeiro "monumento" da criação dos povos do noroeste peninsular. Onde está a sua originalidade?
A sua originalidade está, por exemplo; na sua poesia que guarda as reminiscências de uma tradição de poesia dialogada, improvisada, cantada tanto pelas mulheres, – as cantigas paralelísticas – , quanto pelos homens – as tensos – da cantiga de escárnio e de maldizer. Essa poesia dialogada que, por sua essência mesmo pertence ao mundo das civilizações da oralidade, existe até hoje na área cultural do galego-português, no despique e na desgarrada. Ela será, com a chegada da poesia trovadoresca, substituída por uma poesia de amor monologada, a qual, no mundo da literatura escrita, será considerada a primeira e verdadeira poesia de amor.

Outro aspecto da sua originalidade consiste no facto de ela pertencer a uma área cultural bem antiga que não é nem portuguesa, nem espanhola, sendo que ela existia bem antes de os Estados-Nações –Espanha e Portugal – existirem e que esta área cultural tão antiga corresponde, mais ou menos, a uma realidade e área que, no século XXI, corresponderá á Euro-região Galiza-Norte de Portugal.

Por que a tradição oral foi determinante na criatividade dos trovadores galego-portugueses?

A civilização da oralidade foi a base mesmo da criatividade dos trovadores galego-portugueses. As suas poesias chamam-se cantigas, o que quer dizer que elas foram compostas com melodia e destinadas a serem cantadas. Nem se sabe se aqueles trovadores sabiam ler e escrever ; a maioria deles muito provavelmente era ainda analfabeta.

Qual é ao seu ver, a importância que tem o património imaterial galego-português para o futuro da Euro-região Galiza-Norte de Portugal, agora que esta já é uma realidade económica e social?
Esse patrimônio e o conhecimento aprofundado dele são fundamentais, no sentido em que o patrimônio mostra com toda a clareza que a região em questão, - muito além dos interesses politicos das elites defendidos pelo Estado-Naçao e promulgados pelo ensino oficial-,  constitui a base histórica de uma identidade social, cultural e afectiva que, apesar de todas as pressões políticas nacionalistas do passado, aqueles povos do Noroeste da Peninsula ibérica souberam manter viva, forte e intacta.

Vai presentar um trabalho literário para o projeto Cores do Atlântico. Cal é a importância deste projeto, para Galiza, Portugal e para o Brasil ?
Dentro do referido contexto, este trabalho é fundamental porque ele questiona a historiografia literária oficial cujos pressupostos nacionalistas, (que hoje em dia os estudiosos cada vez mais desmascaram como preconceitos !), ocultam o verdadeiro carácter, tanto o da literatura medieval galego-portuguesa, como,  por exemplo,  o das tradiçoes orais e populares brasileiras. Essa historiografia (da Literatura Portuguesa ou da Literatura Espanhola), empenhada em demonstrar que todos os fenômenos literários têm origem portuguesa (ou espanhola), oculta e mutila (por motivos políticos) até hoje em dia a verdade sobre essas culturas.  Ela está na base também de um sistema educativo em que o ensino da literatura serve para impor uma imagem nacionalista da literatura e das suas obras e autores, quer dizer um sistema, uma educação cujo objectivo não é a acquisição de um conhecimento adequado e crítico ; mas criar um instrumento político, ao serviço da legitimação e do poder das elites nacionalistas e dos seus aliados.

Como chega ás cantigas de amigo com tanta paixão e interesse uma holandesa?
Tudo começou com uma descoberta espantosa quando abri o primeiro livro de História da Literatura portuguesa para preparar a minha prova de história da literatura portuguesa no primeiro ano da Universidade. . Na Europa toda existiam na Idade Média cantigas de mulher. Em todas as histórias das literaturas nacionais europeias, essas cantigas são normal e logicamente consideradas e classificadas como cantigas DE MULHERES :  vrouwenliederen ; Frauenliederwomen´s  songs, ou chamadas, como em portugûes : cantigas DE AMIGO : chansons d´ami  em francês, winileod em alemao, etc. etc. Todas essas cantigas, em todos os países europeus, tem características comuns.   Só em Portugal é diferente ! Para preparar a minha prova, eu tive que aprender e repetir ( !) que as cantigas de amigo são cantigas escritas pelos grandes trovadores portugueses que, com uma intuição genial da alma feminina, puseram essas cantigas e esses sentimentos tipicamente femininos na boca das mulheres. !!!

Conhece a Ilha de São Simão?
Conheço e conheço a história muito pesada da Ilha. Me alegra saber que a Ilha vai exercer um papel cultural importante nesses inícios do século XXI, exatamente no momento em que podemos, enfim, repensar abertamente as origens das cantigas de amigo galego-portuguesas, sem ter medo das pressões e perseguições que a  Academia durante mais de cem anos exerceu sobre os pesquisadores desconfiados da doutrina oficial.

Que aspeto valora mais da cultura galega ?
E exatamente essa continuidade secular de uma experiência da  unidade e identidade cultural de uma região antiquíssima, negada e desprezada desde os primórdios políticos dos Estados  portugûes  e espanhol e que, agoro, no novo milênio, de repente, revela-se com toda a força como uma alternativa,  cheia de esperança e de possibilidades,  num mundo  esclerozado  pelos nacionalismos políticos.


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