Experta en literatura medieval e literatura brasileira, Ria Lemaire está esta fin de semana no congreso Pontes de Futuro.
Profesora da Universidade de Poitiers, Ria Lemaire, que estará este domingo no congreso Pontes de futuro, Pontes de cultura, dirixe o Centre de Recherches Latino-Américaines (CRLA). É especialista na literatura medieval e na literatura brasileira. Investigadora da oralidade e a escrita, en estudos comparados en tradicións orais na súa relación coa cultura da escrita e da Idade-Media. Responsable do prestixioso Acervo Raymond Cantel de literatura de cordel brasileira. Comeza a preparar, con Yara Frateschi Vieira ( UNICAMP e Santiago de Compostela) a edición de todas as publicacións en lingua alemá de Carolina Michaelis de Vasconcelos, a grande lusista-¨feminista¨ do período en torno do ano 1900.
A literatura medieval galego-portuguesa é o primeiro "monumento" da criação dos povos do noroeste peninsular. Onde está a sua originalidade?
A sua originalidade está, por exemplo; na sua poesia que guarda as reminiscências de uma tradição de poesia dialogada, improvisada, cantada tanto pelas mulheres, – as cantigas paralelísticas – , quanto pelos homens – as tensos – da cantiga de escárnio e de maldizer. Essa poesia dialogada que, por sua essência mesmo pertence ao mundo das civilizações da oralidade, existe até hoje na área cultural do galego-português, no despique e na desgarrada. Ela será, com a chegada da poesia trovadoresca, substituída por uma poesia de amor monologada, a qual, no mundo da literatura escrita, será considerada a primeira e verdadeira poesia de amor.
Outro aspecto da sua originalidade consiste no facto de ela pertencer a uma área cultural bem antiga que não é nem portuguesa, nem espanhola, sendo que ela existia bem antes de os Estados-Nações –Espanha e Portugal – existirem e que esta área cultural tão antiga corresponde, mais ou menos, a uma realidade e área que, no século XXI, corresponderá á Euro-região Galiza-Norte de Portugal.
Por que a tradição oral foi determinante na criatividade dos trovadores galego-portugueses?
A civilização da oralidade foi a base mesmo da criatividade dos trovadores galego-portugueses. As suas poesias chamam-se cantigas, o que quer dizer que elas foram compostas com melodia e destinadas a serem cantadas. Nem se sabe se aqueles trovadores sabiam ler e escrever ; a maioria deles muito provavelmente era ainda analfabeta.
Qual é ao seu ver, a importância que tem o património imaterial galego-português para o futuro da Euro-região Galiza-Norte de Portugal, agora que esta já é uma realidade económica e social?
Esse patrimônio e o conhecimento aprofundado dele são fundamentais, no sentido em que o patrimônio mostra com toda a clareza que a região em questão, - muito além dos interesses politicos das elites defendidos pelo Estado-Naçao e promulgados pelo ensino oficial-, constitui a base histórica de uma identidade social, cultural e afectiva que, apesar de todas as pressões políticas nacionalistas do passado, aqueles povos do Noroeste da Peninsula ibérica souberam manter viva, forte e intacta.
Vai presentar um trabalho literário para o projeto Cores do Atlântico. Cal é a importância deste projeto, para Galiza, Portugal e para o Brasil ?
Dentro do referido contexto, este trabalho é fundamental porque ele questiona a historiografia literária oficial cujos pressupostos nacionalistas, (que hoje em dia os estudiosos cada vez mais desmascaram como preconceitos !), ocultam o verdadeiro carácter, tanto o da literatura medieval galego-portuguesa, como, por exemplo, o das tradiçoes orais e populares brasileiras. Essa historiografia (da Literatura Portuguesa ou da Literatura Espanhola), empenhada em demonstrar que todos os fenômenos literários têm origem portuguesa (ou espanhola), oculta e mutila (por motivos políticos) até hoje em dia a verdade sobre essas culturas. Ela está na base também de um sistema educativo em que o ensino da literatura serve para impor uma imagem nacionalista da literatura e das suas obras e autores, quer dizer um sistema, uma educação cujo objectivo não é a acquisição de um conhecimento adequado e crítico ; mas criar um instrumento político, ao serviço da legitimação e do poder das elites nacionalistas e dos seus aliados.
Como chega ás cantigas de amigo com tanta paixão e interesse uma holandesa?
Tudo começou com uma descoberta espantosa quando abri o primeiro livro de História da Literatura portuguesa para preparar a minha prova de história da literatura portuguesa no primeiro ano da Universidade. . Na Europa toda existiam na Idade Média cantigas de mulher. Em todas as histórias das literaturas nacionais europeias, essas cantigas são normal e logicamente consideradas e classificadas como cantigas DE MULHERES : vrouwenliederen ; Frauenlieder, women´s songs, ou chamadas, como em portugûes : cantigas DE AMIGO : chansons d´ami em francês, winileod em alemao, etc. etc. Todas essas cantigas, em todos os países europeus, tem características comuns. Só em Portugal é diferente ! Para preparar a minha prova, eu tive que aprender e repetir ( !) que as cantigas de amigo são cantigas escritas pelos grandes trovadores portugueses que, com uma intuição genial da alma feminina, puseram essas cantigas e esses sentimentos tipicamente femininos na boca das mulheres. !!!
Conhece a Ilha de São Simão?
Conheço e conheço a história muito pesada da Ilha. Me alegra saber que a Ilha vai exercer um papel cultural importante nesses inícios do século XXI, exatamente no momento em que podemos, enfim, repensar abertamente as origens das cantigas de amigo galego-portuguesas, sem ter medo das pressões e perseguições que a Academia durante mais de cem anos exerceu sobre os pesquisadores desconfiados da doutrina oficial.
Que aspeto valora mais da cultura galega ?
E exatamente essa continuidade secular de uma experiência da unidade e identidade cultural de uma região antiquíssima, negada e desprezada desde os primórdios políticos dos Estados portugûes e espanhol e que, agoro, no novo milênio, de repente, revela-se com toda a força como uma alternativa, cheia de esperança e de possibilidades, num mundo esclerozado pelos nacionalismos políticos.